Lia Quintana, em entrevista ao Correio Braziliense, fala sobre educação e desenvolvimento

Enquanto presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, Lia Quintana parabeniza reitora eleita em Universidade do Nordeste e comenta sobre a importância da educação, tecnologia, inovação e o foco em contribuir com o desenvolvimento regional.

 

A matéria, escrita pelo jornalista Jáder Rezende, do Correio Braziliense, conta a história de Luciléa Gonçalves, empossada na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul) que, assim como a reitora da Urcamp, é a primeira mulher eleita em sua Instituição. Confira:

 

Filha de pescador com ensino fundamental incompleto, a primeira reitora eleita da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), Luciléa Ferreira Lopes Gonçalves, 58 anos, quer revolucionar a educação universitária naquela região, ampliando o acesso de estudantes à entidade, com a criação de novos cursos. Luciléa enfrentou muitos desafios para chegar ao topo de uma instituição de ensino superior. Sua trajetória é vista como uma verdadeira saga.

Nascida na comunidade da Ilha de Peru, no município de Cururupu, litoral central do Maranhão, Luciléa é a quarta filha entre sete irmãos e foi professora do ensino médio por 25 anos. Na infância, fazia o trajeto para a escola pelos rios da região. Enfrentava temporais e o mar revolto, mas sempre se manteve firme em suas obrigações. Até os 10 anos, viveu com a família na ilha, grande produtora de camarão e pescados. O pai, Antônio Clemente, vendia camarão no Pará e, nessas viagens, percebeu que novas realidades poderiam se abrir aos filhos. Fez o impossível, sempre com o sustento da pesca, para matricular todos na escola. Hoje, todos têm diploma de curso superior.

“Desde pequena estudamos muito literatura e tabuada. Sou do tempo da palmatória, mas nunca levei nenhuma”, lembra ela. “Para meu pai, era importante a gente se dedicar aos estudos, principalmente para fazer as contas das vendas do pescado, definir a divisão do lucro.” Seu Antônio faleceu em agosto de 2014 e a mãe, Laura, de 86 anos, mudou-se para São Luís no mesmo ano, após ficar viúva.

Em 1990, Luciléa se transferiu para Imperatriz, para cursar licenciatura plena em geografia. Como tinha uma filha pequena, precisava conciliar os estudos com o trabalho. Passou, então, a dividir seu tempo entre cuidar da família e dar aulas no Serviço Social da Indústria (Sesi), na educação básica, e na universidade. “Foi um processo difícil, um momento de desterritorialização. Nunca foi meu objetivo ir para o interior. O Maranhão é muito São Luíz. O interior é bastante subestimado”, diz.

Em 1992, decidida a ampliar seus horizontes, com a especialização em geografia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e, em 1997, mestrado em educação ambiental pelo Instituto Pedagógico Latinoamericano y Caribeño (Iplac/Cuba). O mestrado em geografia veio em 2008, na Universidade Federal do Paraná. Luciléa é professora da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) desde 1990. A Uemasul foi fundada em 2016, após ser desmembrada da Uema.

 

Guinada

Luciléa afirma nunca ter tido a pretensão de dirigir uma instituição de ensino superior. “Um dia, numa reunião, me indicaram para ser candidata. Primeiro, fui escolhida para ser vice, mas, depois, fui convencida a encabeçar a chapa por minha querida amiga, agora vice-reitora, Lílian Castelo Branco. Tudo por minha história de vida. E a vitória veio com folga. Fiquei emocionada, até corei”, conta. A posse viralizou depois que seu filho, João Paulo, orgulhoso, postou a foto da posse em uma rede social.

Com menos de um mês no cargo, Luciléa arregaçou as mangas e partiu para a ação. Criou a pró-reitoria de extensão, elaborou um novo estatuto de educação, e está em andamento o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) visando o recredenciamento da instituição junto ao Conselho Estadual de Educação, criou a pró-reitoria para assuntos estudantis e a primeira editora da instituição, além de determinar a reorganização do museu e Centro de Pesquisa em Arqueologia e História Timbira, criado em 2015 como parte do projeto de extensão do Núcleo de Estudos Indígenas, que abrange também a etnologia e a cultura popular do sertão maranhense. Além disso, implantou o curso de direito. “A universidade abriga hoje 2.564 alunos, mas vamos aumentar a oferta de vagas, com base na avaliação regional”, afirma.

Luciléa espera que sua história motive encoraje muitas meninas e mulheres Brasil afora. “Minha história é a mesma de muitas meninas e mulheres. Não são todas que se animam a estudar. É imprescindível ter confiança, carinho e respeito dos companheiros. Por meio da educação podemos quebrar o ciclo de pobreza, despertar o cuidado familiar. Não devemos nos prender por dinheiro, e sim investir no que for possível para o filho estudar”, ensina.

 

Para a presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), Lia Quintana, a eleição de Luciléa Gonçalves representa uma vitória de todas as mulheres. “Todas sabemos que o mundo acadêmico manteve, por muitos anos, as portas fechadas às mulheres”, diz, lembrando que, no ensino superior, somente no final do século XX uma mulher ingressou em uma universidade, mas foi apenas na década de 60 que elas tiveram realmente acesso ao ensino superior, nos grandes centros urbanos

“A história dela revela a desigualdade de oportunidades, não só econômicas, mas geográficas, uma distorção que devemos reconhecer e modificar. No Brasil, as mulheres são maioria no índice de formação no ensino superior. Portanto, é importante que a professora, agora reitora Luciléa Gonçalves, seja reconhecida e valorizada. É uma chefe de família que transformou suas oportunidades em conquistas e conduz sua trajetória ao cargo de reitora em uma universidade do Nordeste, levando consigo suas origens e priorizando a educação. Aos poucos, evidenciamos exemplos de mulheres ocupando espaços relevantes, como ocorreu recentemente com a eleição da Professora Helena Nader, da Unifesp, para a Academia Brasileira de Ciências (ABC), que terá, pela primeira vez, em 105 anos, uma mulher para a presidência”, frisa Lia Quintana, que também rompeu barreiras, como a primeira mulher a presidir o Crub, após 55 anos de sua fundação.

Realidade regional

Lia Quintana observa que o ensino deve chegar ao interior e às capitais para o desenvolvimento regional e formação de pensadores e tomadores de decisão, acoplados à realidade regional e, principalmente, com uma formação focada em desenvolver e inovar, priorizando e potencializando as características locais. “É evidente que os desafios de acentuada tecnologia em escala mundial precisam ser considerados em cada território no Brasil para gerar uma política educacional equitativa. O Vale do Silício, por exemplo, originou-se onde tínhamos plantadores de batatas.”

“No Brasil, desenvolvem-se novas tecnologias em todos os lugares, muitas vezes sem internet, sem recursos adequados, mas produzindo inovação e tecnologia tendo como base as vocações e capacidades locais”, afirma, concluindo que o mais importante nesse contexto é sempre dialogar, valorizar e respeitar a realidade local, assim como garantir incentivos que resultem em tecnologias que colaborem com a superação dos problemas e desigualdades locais. “O papel da universidade também é esse, produzir conhecimento que resulte em melhoria na vida das pessoas e seus territórios.”

Assim como Luciléa Gonçalves, Lia Quintana é dona de uma trajetória de trabalho, ocupação de espaço, conquista e liderança. Ela pondera que o fato de ser a primeira mulher a presidir o Crub é uma conquista que vem entrelaçada a um caminho de dedicação acadêmica e entusiasmo com a política educacional. “De forma paralela, sempre fui dedicada à família, que é a base da minha história, ao passo que estruturei meu trabalho entre engenheira, docência e gestora”, diz.