Em um momento sem precedentes nos últimos cem anos – desde a ocorrência da gripe espanhola, no início do século XX – o mundo vem acompanhando a batalha em escala global de um vírus que já vitimou mais de 3,3 milhões de pessoas. Na vanguarda desta batalha estão os profissionais de saúde, que tem atuado exaustivamente desde a confirmação dos primeiros casos. São médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos em enfermagem que se tornaram, de uma hora para a outra, símbolos de proteção, resistência e amor à profissão neste momento.
Tanto em uma ala de internação para pacientes positivados quanto nos centros de tratamento intensivo, a presença mais constante é dos enfermeiros, que além de seguir as prescrições dos médicos especialistas, atuam de forma conjunta a eles, além de ter o contato direto com os pacientes, tentando tornar o tratamento o mais humanizado possível.
Assim como em 2020, a celebração do Dia Internacional da Enfermagem ganha contornos de homenagem àqueles que estão na linha de frente, lutando contra um inimigo invisível à olho nu, mas que deixou o mundo de joelhos.
Lidando com a pressão e o luto
No Hospital Universitário Dr. Mário Araújo, mantido pela Fundação Attila Taborda, são nove profissionais, responsáveis pelos cuidados com pacientes regulares – que não estão internados para tratar de covid-19 – além de 20 leitos destinados aos pacientes contaminados, que requerem cuidados específicos.
Para um profissional da área, lidar com o luto e a perda é uma constante. Mas não quer dizer que seja visto como algo normal. “Tem dias bons, dias ruins e dias muito ruins. Mas geralmente temos êxito”, conta Marcelo Cuadro, coordenador da unidade covid-19. Egresso da Urcamp, ele atua na instituição de saúde como enfermeiro há cerca de três anos. Antes disso, acumulou experiência, tanto no HU quanto na Santa Casa de Caridade, como técnico em enfermagem.
Ele relata que o profissional que está atuando em unidades de covid-19, tem duas tarefas: além de atender, da melhor forma possível o paciente, dando suporte médico e psicológico para enfrentar a doença, o enfermeiro também deve conquistar a família, para passar tranquilidade e confiança para quem vê um ente querido ser internado em isolamento. “Quando chegam na unidade, os pacientes são praticamente retirados de seus familiares – não tem acesso à visita física durante o tratamento, que dura de 10 a 14 dias. O contato é feito apenas através de videochamadas. Então a gente também tem que conquistar a família, que está entregando um familiar para os cuidados de um desconhecido”, conta.
Cuadro comenta que a pandemia trouxe, também, mudanças na dinâmica de trabalho dos profissionais. Com os pacientes em isolamento, rodeado por incertezas sobre a evolução do vírus, os enfermeiros acabam criando um vínculo, já que serão o mais próximo de contato com o mundo exterior dos pacientes durante aquele período. “No momento em que entram, acabamos tendo uma proximidade maior, tem uma cumplicidade. Mas é bem delicado, principalmente quando enxergamos que vamos perder alguém. Aí a situação complica”, relata.
Foi a dor de perder um paciente que fez com que Larine Marques Noble, 33 anos, procurasse auxílio psicológico. Ela atua como técnica em enfermagem na unidade covid-19 do Hospital Universitário há dois anos, conciliando com as aulas do módulo III do curso de Enfermagem, da Urcamp.
Desde a abertura dos leitos para tratamento específico dos pacientes com covid no hospital, ela trabalha no setor. Quando a unidade perdeu os dois primeiros pacientes na luta contra o vírus, ficou extremamente abalada. “Tive que ir para a psicóloga, porque me sentia muito culpada em não poder fazer mais nada”, recorda.
Mas mesmo enfrentando a pressão da rotina na unidade e o luto, ela afirma: “É pesado, mas, ao mesmo tempo, é gratificante ver os pacientes quando saem daqui agradecidos”, diz.
Aproximação com o paciente e humanização do tratamento
A humanização no atendimento aos pacientes é apontada por Paulo Daniel Nogueira Medeiros como uma das principais missões de um Enfermeiro. Aos 55 anos, o profissional traz no currículo quase 40 anos de experiência na área da saúde. Ele iniciou a jornada como auxiliar de enfermagem e atua no Hospital Universitário há 23 anos – 18 deles como Enfermeiro, graduação que concluiu na Urcamp.
Para ele, a parte mais pesada da atuação na linha de frente é a incerteza, com casos evoluindo muito rápido. “Nosso dia a dia já era muito estressante, mas agora é muito mais, principalmente com relação àquelas pessoas que chegam ao hospital bem e de repente tem 25% do pulmão comprometido, depois 50% e em seguida 75%; a gente acaba perdendo muitas vidas. Isso, para nós, é desesperador. Uma coisa é trabalhar com pacientes graves e outra é trabalhar com paciente que se torna grave da noite para o dia”, comenta.
No contato direto com os pacientes, acompanhou cenas de vitória e cenas de luto. E a bagagem emocional que levou desses momentos veio à tona quando positivou para o vírus. Apesar de ter tido sintomas brandos, não pôde se furtar de imaginar possíveis cenários menos otimistas: “Tinha uma angústia muito grande, principalmente ao entardecer, porque não sabia se iria acontecer alguma coisa durante a noite. A ansiedade que não deixa saber o que vai acontecer amanhã é muito grande”, relembra.
Mudança na rotina familiar
Para se proteger da contaminação – e evitar, ao máximo, levar o vírus para dentro de casa - a enfermeira Juliana Tarouco Severo mudou toda sua rotina familiar. Responsável técnica da instituição, a profissional de 37 anos conta que chegou a ficar isolada do filho de quatro anos, quando começou a atuar na coleta de material para testagem. Mesmo com a pouca idade, o pequeno já conhece e respeita os protocolos de segurança impostos pela mãe. “Ele sabe que quando eu chego, ele não pode me tocar porque estou chegando com a roupa do hospital. Eu chego, tiro a roupa, vou direto para o banho”, conta.
Apesar de poder chegar e retirar a roupa “de hospital”, como ela diz, não acontece da mesma forma com os momentos vividos dentro da instituição. As memórias dos momentos difíceis, inclusive, podem adoecer os profissionais da linha de frente que, não raro, desenvolvem depressão e ansiedade. Inclusive, os profissionais da Psicologia da Urcamp realizam um trabalho de amparo tanto aos profissionais quanto aos pacientes e familiares atingidos pelo vírus. “Ninguém cria um preparo emocional, de uma hora para outra, para ver uma cidade parar, um hospital cheio, todo mundo usando máscara, com medo, sem saber o que fazer. Foram momentos difíceis, com medo de levar para casa o que estava aqui dentro. Mas o orgulho é que, mesmo assim, não deixamos de cuidar do outro”, declara.
Primeiros passos na jornada de cuidado ao próximo
É com esse sentimento de amor ao próximo e o cuidado com o outro que as acadêmicas Roberta Rodrigues, 19 anos, Eduarda Bianchin e Ana Luiza Machado, ambas de 18 anos, iniciam sua jornada como profissionais da saúde.
Estudantes do Módulo I do curso de Enfermagem da Urcamp, contam que escolheram a profissão justamente pelo desejo de cuidar dos outros em momentos delicados. Para Eduarda, inclusive, a decisão veio após a internação da mãe por covid.
Ela conta que a mãe, Marilene, passou 15 dias internada por complicações graves decorrentes da contaminação. Quando deixou o hospital, contou à filha que os enfermeiros ajudaram muito na hora de levantar o ânimo da paciente na luta contra o vírus, enquanto estava afastada da família. “Os profissionais da saúde sempre tiveram essa importância toda, mas a população agora está tendo entendimento do quão importante são todos os membros da equipe, desde o auxiliar de enfermagem até o médico”, afirma.